A Salinicultura de Castro Marim
A ligação de Castro Marim à atividade salineira vem de longa data, tornando-se quase impossível determinar a data precisa do seu início. A exploração deste recurso, a par da pesca e da agricultura, fazem parte da economia desta região, marcando a cultura e a vivência da população local.
Esta atividade secular foi marcada por altos e baixos, afetada pela evolução da pesca, pelas relações comerciais, pelas decisões políticas, pelo maremoto e sismo de 1755, entre muitos outros acontecimentos, sem, no entanto, ter deixado de ser uma atividade permanente e rentável até à atualidade.
Atividade salineira ao longo das décadas e dos séculos
Os vestígios de presença humana em Castro Marim remontam ao final de Idade de Bronze (Século IX a. C.), não havendo no entanto registo que o sal fosse utilizado e produzido já nesta altura.
Contudo, é durante a Idade de Ferro que se registam em Castro Marim trocas comerciais com os navegadores fenícios em torno das atividades metalúrgicas, onde eram importados diversos produtos, entre os quais se destacam os preparados piscícolas, conservados com recurso ao sal, transportados em ânforas provenientes do Norte de África e da região tartéssia (atual território da Andaluzia). O Garum foi um dos preparados piscícolas que contribuiu para a subsistência das povoações do litoral, recorrendo à utilização de sal.
Na Época Romana, entre o século I e século IV da nossa era, o sal aparece associado aos centros de transformação de pescado no litoral algarvio, uma exploração de recursos marinhos muito associada aos centros oleiros de produção de ânforas que permitiam o acondicionamento e o transporte para comercialização destes bens alimentares.
É durante os reinados de D. Afonso III que surgem as primeiras referências escritas à exploração do sal de Castro Marim, na Carta de Foral, mostrando a importância que a atividade tinha nessa altura.
Enquanto povoação transfronteiriça, Castro Marim possuía fraca densidade populacional, o que dificultava o seu desenvolvimento económico. Desta forma, a partir de 1421, através da Carta de Foral outorgada por D. João I, a Vila torna-se um couto para condenados que trabalhavam sobretudo nas salinas.
Outro impulso importante para o desenvolvimento da salinicultura castromarinense e do seu progresso económico, aconteceu em 1453, quando o Infante D. Henrique, governador da Ordem de Cristo, subscreve a “Ordenança”, onde refere o modo como os pescadores deveriam utilizar o sal para a conserva do pescado, ordenando que todo o sal que fosse necessário para esta atividade viesse de Castro Marim e só quando este acabasse poderia ser adquirido fora. Ao mesmo tempo, foi abolida a disposição que proibia aos habitantes a venda de sal a outras povoações do Algarve, tendo, mais tarde, redefinido os direitos da Ordem de Cristo e do Rei e consignado a esta cobrança de portagem sobre o sal vendido, deixando ao rei o direito de imposição do sal.
Em 1504, o Foral manuelino (foral reformado por D. Manuel I), “atualizado de acordo com as necessidades sociais, económicas e jurídicas da modernidade”, volta a fazer referência à exploração de Sal em Castro Marim, permitindo aumentar as marinhas e o sal sem qualquer pagamento.
Nos finais do século XVI, existem relatos de um comércio do sal de Castro Marim em ascensão, certamente relacionado com a abundância de peixe capturado na costa algarvia. Durante os séculos XVI e XVII registaram-se, no entanto, alguns conflitos derivados do valor inflacionado que este atingiu, difícil de comportar pela população local e pela escassez do produto na terra, derivado do comércio ilícito, impondo regulamentação que permitisse servir as necessidades da terra, antes de qualquer outra.
Após um grande crescimento económico no século XVI, graças à atividade piscatória atuneira, desenvolvida com os conhecimentos marítimos sicilianos, veio a registar-se, a partir de 1620, uma depressão pela escassez de atum e sardinha, as principais espécies pescadas na região. Apesar da diminuição da pesca, o sal continuou a ser comercializado na segunda década de seiscentos.
Com o término da Guerra da Restauração, a produção de sal assumiu-se como uma importante fonte de riqueza e foram tomadas medidas para a proteger da concorrência castelhana, proibindo os salineiros de sair de Castro Marim, impondo como condição para ser salineiro possuir naturalidade portuguesa e proibição de ensinar a sua arte aos galegos, sendo esta punível com pena de morte.
O Século XVIII voltou a ser um século de crescimento e grande comércio para o Sal de Castro Marim, devido ao rejuvenescimento da faina na ponta oriental do Algarve, através da introdução de novas artes de pesca e de técnicas de salga. De Castro Marim saíam, então, embarcações de sal para o pescado capturado em Monte Gordo, mas também para Alcoutim e Mértola. «Com o regresso do atum e da sardinha, entre 1720 e 1730, ressurge a atividade piscatória e aumenta a produção de sal no Algarve, “alimentam-se as velhas sainhas e as novas marinhas”. Em 1734, o fabrico de sal atinge valores elevadíssimos e alcança um pico máximo em 1754.»
Em 1755, o maremoto e sismo sentidos produziram efeitos catastróficos na produção de sal que se prolongam para anos seguintes. A partir de 1766 regista-se uma estagnação na produção de sal no Algarve que é, certamente, um reflexo da grande crise que ocorre nestes anos. Nos anos seguintes, foram decretadas medidas para recuperar e aumentar as marinhas em Castro Marim, mas não foram suficientes para produzir efeitos ao nível da produção de sal, que permanece muito baixa.
Outras medidas vieram afetar a produção de sal em 1771, quando a Corte espanhola veio permitir a importação de peixe fresco para Espanha, a salga de peixe com sal de origem espanhola e a livre comercialização de pescado salgado espanhol em Portugal. Uma legislação particularmente prejudicial, que fez migrar para outros centros piscatórios concorrentes, nomeadamente para Andaluzia, pescadores, salgadores e tanoeiros que se haviam fixado nesta zona. A falta de produção nas marinhas de Castro Marim, bem como de outras vilas do Algarve, faz com que a atividade entre em declínio obrigando pescadores a deixar a pescaria no mar por falta de sal para a sua conserva, havendo registos de importação de sal de Espanha para suprir as necessidades.
Em 1773 houve nova tentativa de promover a extração salineira no Reino, tendo sido assinado pelo Marquês de Pombal um “parecer”, que promoveria a lavoura das marinhas, reativando umas e abrindo outras, e estabelecendo um superintendente das Marinhas do Reino do Algarve, à semelhança do existente em Setúbal, com as mesmas regras, preços fixos e direitos de saída. Apesar da reforma, os resultados procurados para as marinhas e pescaria não foram atingidos, o Marquês de Pombal não voltou a tomar medidas pois após a morte do rei D. José I, foi deposto de funções.
Desde então, o declínio da produção de sal em Castro Marim veio a verificar-se através do constante abandono das salinas e da redução da produção, perdendo peso a nível nacional.
Em 1858, iniciou-se a exploração da Mina de S. Domingos, abrindo um novo mercado local ao sal de Castro Marim, ao mesmo tempo que o nível de importações foi, progressivamente, diminuindo.
Paralelamente, também a Industria Conserveira de Vila Real de Santo António, contribuiu para reforçar a importância do Sal de Castro Marim a nível local, dada a atividade que registava na viragem do século XIX para o XX.
Não obstante, nas primeiras décadas do século XX, as salinas reduzem-se, progressivamente, passando a assegurar as necessidades dos mercados de Tavira e Faro e da população ribeirinha.
A partir dos anos 60, a indústria Conserveira de Vila Real de Santo António, debatendo-se com graves problemas de sobrevivência, afetada pela concorrência, pela escassez de peixe e falta de modernização, culminando no encerramento da maior parte das fábricas na década de 70, o que coincidiu, também, com o abandono das salinas de Castro Marim.
Recordando a linha de evolução histórica da salinicultura de Castro Marim, marcada por avanços e recuos na produção, é bastante evidente que o seu progresso se fez em função do sucesso da atividade piscatória na costa algarvia.
O sal de Castro Marim, volta a receber um novo impulso nos finais dos anos 90, graças ao aumento da comercialização do sal marinho tradicional e flor de sal.
Nas últimas décadas, têm vindo a ser desenvolvidos esforços por várias entidades que tiveram como objetivo a promoção e valorização da atividade salinícola, como sejam o processo de certificação assente na elevada qualidade do produto, entre outros projetos, que fizeram despertar o interesse na salinicultura tradicional, quer por parte de investidores, quer por parte dos proprietários, cujo interesse originou a recuperação e revitalização de salinas desativadas. A salinicultura tradicional em Castro Marim representa, atualmente, uma das atividades mais relevantes e com maior impacto socioeconómico na comunidade local.
Mais recentemente, a procura de novos mercados através de conceitos distintos e inovadores fortemente adequados às necessidades dos consumidores atuais, motivaram o desenvolvimento e criação de novos produtos diretamente relacionados com a atividade tais como o sal líquido, produtos da área da cosmética e do turismo da natureza, produtos estes que vieram dar um novo impulso na atividade.